RESGATANDO A MEMÓRIA DA IMPERATRIZ DO BRASIL, A PALADINA DA
INDEPENDÊNCIA
“A importância do papel da imperatriz Leopoldina na
vida política do Império, como mulher e como política teria ficado
"apagada" no processo de construção de uma história do Brasil
bastante "machista". "Nessa história, as luzes foram sempre
dirigidas Pedro I".
A formação pessoal, familiar e política de
Leopoldina se deu durante a era napoleônica. Em seu diário, por exemplo,
registrou que durante o Congresso de Viena, muito lhe incomodou a paralisação
da vida, da música, dos teatros, dos bailes e caminhadas, "tudo se verte
agora para o Congresso", explica o historiador. "Tão atento era o seu
olhar, que não lhe escapava nem o sotaque dos diplomatas ingleses ao
exercitarem o idioma francês durante as reuniões. "Ela tinha apenas 17
anos".
Já em terras brasileiras, e na falta de uma rotina
que de longe lembrasse o cenário austríaco de sua juventude - que incluía
Goethe e Bethoveen -, a imperatriz se distraía estudando e colecionando artigos
relacionados a mineralogia, zoologia e botânica. Leopoldina abasteceu todo o
atual Museu Brasileiro de Viena com seus registros etnográficos de indígenas,
catálogos de plantas brasileiras, entre outros, como macacos vivos e índios
botocudos, que ela chegou a enviar ao seu país de origem.
Noiva apaixonada
No entanto, isso não significa que os primeiros
momentos de seu casório com D. Pedro não tenham lhe agradado. Os historiadores
reafirmam aquilo que a historiografia há algum tempo concluiu: Leopoldina casou
apaixonada, ciente do papel político que deveria cumprir unindo sua família ao
promissor Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves. Além disso, em suas
primeiras cartas à irmã Maria Luisa, a jovem imperatriz se queixa de certo
"cansaço", uma vez que o marido lhe "solicitava" por noites
inteiras. A fama de que Pedro não era muito apegado à "moral familiar e
aos bons costumes", assim como a paz desses primeiros meses no Brasil, não
poderiam ter lhe dado a dimensão das humilhações e sofrimentos que passaria até
sua morte com apenas 29 anos.
"As infidelidades do imperador a
desestabilizavam"; Ela era ainda uma menina vinda de um ambiente
políticamente importante e culturalmente rico quando teve que aprender a lidar
com as notórias traições de D. Pedro, e com o gênio intempestivo da sogra
Carlota Joaquina. Carlota seria "baixa, feia, torta, altamente
conspiradora e com um apetite sexual voraz", conforme relata Bulcão. Mesmo
após o casamento com Leopoldina, Carlota batia no filho em público, dava tapas
em seu rosto, deixando a nora cada vez mais horrorizada. Apenas com D. João a
convivência parecia agradável. Tudo indica que ela tenha dado ouvidos ao
conselho de seu pai antes de sair de Áustria: "ame o seu sogro, obedeça a
seu marido, e se afaste de sua sogra".
Nada disso, no entanto, influenciaria a retidão de
seu comportamento político. Lúcida, perspicaz e inteligente, foi Leopoldina
quem impediu D. Pedro de voltar a Portugal em 1820, durante a Revolução Liberal
do Porto. É de Leopoldina, a austríaca, que nasce a campanha que se poderia
dizer "patriótica" em nome da emancipação do Brasil e da manutenção
da Monarquia como sistema de governo. Ela cria a campanha das fitas verdes para
demonstrar o apoio da população aos Bragança. Tudo o que de mais importante
aconteceu entre 1820 e 1822, incluindo a declaração de independência do Brasil,
deve-se, em grande medida às decisões de Leopoldina, afirmam os historiadores.
Traição e violência
Mas a situação conjugal ficaria, enfim,
insustentável, quando o caso do imperador com "o monstro sensual" que
era a Marquesa de Santos se tornou público. D. Pedro chegou a dormir fora de
casa por mais de um mês enquanto Leopoldina estava grávida. De acordo com historiadores,
a esposa teria enviado mensagem para que Pedro fosse buscar as suas malas de
vez: "um comportamento bastante comum para os nossos tempos, mas jamais
para o período imperial", comentou. Depois disso ninguém mais sabe o que
aconteceu. O encontro entre o casal se deu a portas fechadas, e a imperatriz da
independência optou por jamais falar ou escrever sobre isso. "Não tenho
dúvidas de que Leopoldina sofreu violência física. Ou ela foi empurrada da
escada, como alguns biógrafos sugerem, ou ela foi vitima de pontapés na
barriga", o que durante a exumação do corpo, ficou comprovado que nada
disso, na verdade aconteceu.
Em seguida, D. Pedro embarcaria em missão militar
na Cisplatina. O ventre de Leopoldina abortaria a criança que carregava, e dias
depois ela morreria causando comoção em todo o Rio de Janeiro.
Recordar essa história pode adquirir sentidos
diversos; da influência cultural austríaca na política brasileira, tendo como
D. Pedro II seu símbolo mais claro, até as questões de gênero que o
comportamento de Leopoldina encerra; as transformações e continuidades de uma
moralidade em desconexão com a realidade desde tempos coloniais, até a
ampliação imaginativa que a leitura e a confecção da história nos permitem, a
"conhecer" vidas e tempos que nunca poderemos experimentar.
Com o documentário D.LEOPOLDINA, A FILHA DOS CÉSARES abrem-se "brechas no
tempo" que podem nos permitir construir ou reconstruir referências
antepassadas, perdidas em memórias oficias que há muito não fazem mais sentido
para os nossos dias.